LANÇAMENTOs Em destaque, novos álbuns de artistas
da free music vindos de diferentes partes do globo... Ouça, divulgue,
compre os discos...
Por Fabricio Vieira
Uzmic Ro’Samg
Ben Stapp
577 Records
A tuba é um instrumento que aparece com certa timidez no
universo do jazz/free impro, não sendo fácil fazer uma lista mais extensa com
nomes de referência. Na cena contemporânea,
Ben Stapp é um dos mais ativos
dentre esses algo raros artistas. Com cerca de duas décadas de estrada, ele já
gravou com nomes como Joe Morris e William Parker. E agora aparece com seu
primeiro disco solista. Captado em janeiro deste ano,
Uzmic Ro’Samg apresenta
dez peças, nas quais Stapp explora tuba, sousaphone e pedais. O resultado
intrigante oferece um mergulho em sonoridades que realmente soam inéditas; as
peças são bem diversas entre si, levando o ouvinte por campos de estranhamento
inevitável e boas surpresas. Sai em digital e edição limitada (100 cópias) em
CD.
Matter
Fred Frith & Mariá Portugal
Intakt Records
Radicada na Alemanha há alguns anos,
Mariá Portugal tem
ampliado suas parcerias internacionais e levado sua arte cada vez mais longe.
Este
Matter registra um encontro da baterista, percussionista e compositora
paulistana com o lendário guitarrista britânico
Fred Frith. A dupla uniu forças
e ideias no cultuado espaço The Loft, em Köln, no fim de junho de 2023. Para
quem não teve o privilégio de estar lá, agora essa pulsante música pode ser
ouvida. Mariá não deixa de destilar elementos sonoros de seu mundo, sutis
brasilidades que podem ecoar tanto em seu trato percussivo como nas
vocalizações (uma das faixas traz título em português, “O Tempo e a Secura”). A
música flui sem arestas, com energia sutil (encontrando picos como na segunda
metade de “Looking Up”), em uma promissora parceria que espera-se dê outros
frutos. São 4 faixas, com quase 40 minutos – parece até pensado para um LP, mas
está saindo apenas em CD e digital.
II
El Infierno Musical
Klanggalerie
O músico austríaco
Christof Kurzmann (que já vimos em ação
no Brasil em duas oportunidades, tocando com Ken Vandermark e Mats Gustafsson)
viveu uma temporada na Argentina e por lá descobriu a obra da escritora
Alejandra Pizarnik (1936-1972). O fascínio exercido pela poesia dela fez com
que Kurzmann desenvolvesse um projeto dedicado a ela. Chamado de
El Infierno
Musical – nome de sua derradeira obra –, resultou em um excitante álbum, em
2011, no qual as palavras poéticas de Pizarnik não só inspiravam, mas apareciam
declamadas dando um sabor único a este projeto avant-garde jazzístico. Agora Kurzmann
volta a esse manancial inspiracional com
II. Para este segundo capítulo do El
Infierno Musical, trouxe de volta
Ken Vandermark (tenor e clarinete) e convidou
novos parceiros: Dave Rempis (alto, barítono, flauta), Katinka Kleijn e Lia Kohl (violoncelos) e Lily Finnegan
(bateria). Kurzmann (computador e voz) é o responsável por trazer à música as
palavras de Pizarnik, com sua preguiçosa voz sussurrante, em inglês e espanhol.
Esta iluminada e tocante música de teor camerístico, dividida em seis peças
(uma suíte inebriante com um final cortante) é um dos lançamentos mais
saborosos do ano. Editado em CD e digital.
Against the Jazz Police
Leandro Cardenas
577 Records
Pouco nos chega do free jazz feito em Cuba. Por isso, alguns
discos que a 577 Records tem apresentado com artistas do país caribenho são
muito valiosos. Desta vez, o novo nome a ser descoberto é o do clarinetista
Leandro
Cardenas. Tendo o clarinete baixo como seu veículo principal, Cardenas montou para a
sessão um sexteto com Yasel Muñoz (flauta), Alejandro Mendoza (sax), Marlon
Castro (piano), Johnathan Formell (contrabaixo) e Luis Martinez (bateria). Eles
se reuniram em março deste ano, no Formell Studio, em La Havana, Cuba, e de lá
saíram as seis faixas inéditas deste
Against the Jazz Police. Sobre o disco, Cardenas disse em recente
entrevista que se trata de “
una realidad musical creada sin pensar ni planear,
solo la expresión de nuestros seres más musicales y del lenguaje refinado por
la escucha y el estudio de muchos (desde Bach hasta Eric Dolphy)”. “
Es un álbum
de free jazz y avant-garde que busca provocar y suscitar, sin olvidar la
libertad musical que da raíz a estos géneros”, explica. Este free jazz está
permeado de referências sonoras e espirituais afrocubanas, desembocando em um
música que pode tanto ser mais visceral (destaque para a faixa de abertura “Rito:
What Is Endures”) como mais lúdica (o trabalho da flauta em “Postlude/Ayágguna”
é decisivo neste sentido). O título do álbum, segundo o clarinetista, é uma
resposta aos críticos e público de mente fechada que vivem a policiar o que é
ou não jazz. Um lançamento de importância inegável, que nos dá uma pequena amostra
do frescor do free cubano. Infelizmente publicado apenas em formato digital.
Angel Falls
Sylvie Courvoisier & Wadada Leo Smith
Intakt Records
Em 12 de outubro de 2024, a brilhante pianista suíça
Sylvie
Courvoisier e o lendário trompetista
Wadada Leo Smith entraram no Oktaven
Audio, em Mount Vernon (NY). Era a primeira vez que os dois se uniam assim, em
duo em um estúdio. Quem acompanha o mundo da free music e soube da sessão dificilmente
não ficou com muito elevada expectativa. Passou exatamente um ano até que,
finalmente, o resultado daquele encontro chegasse aos ouvintes. Mesmo àqueles acostumados
à imediatez da free improvisation, é impressionante saber que a dupla entrou no
estúdio às 12h e saiu de lá às 17h com tudo pronto, bastando aguardar o momento
em que seria editado comercialmente.
Angel Falls traz oito peças, em cerca de
uma hora de música. Deslumbramento, excitação, encanto, sensações vão se amontoando
ao ir passando o álbum. A abertura em modo lírico, com “Olo’Upnea and Lightning”,
já engolfa o ouvinte de forma inescapável. “Naomi Peak”, na sequência, muda a
temperatura (essa é a peça mais vigorosa do conjunto). As transformações
expressivas nos levam a outro cosmos com “Whispering Images”; aqui Wadada saca
a surdina e Courvoisier vai explorar o piano preparado. Daí chega a
soturnamente melancólica faixa-título. E, nesse ponto, já é fácil concluir que
estamos diante de um dos discos fundamentais do ano. Publicado em CD e digital.
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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez Mestrado em
Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por
alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou
também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos
anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de
liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo
Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live
in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)