LANÇAMENTOs Em destaque, duos de sax e bateria! Novos
álbuns de artistas de diferentes cantos do mundo. Ouça, divulgue, compre
discos...
Por Fabricio Vieira
Liminal Spaces
Ed Jones & Emil Karlsen
Confront Recordings
Temos neste registro um novo encontro entre o saxofonista
britânico
Ed Jones (tenor e soprano) e o baterista norueguês
Emil Karlsen. O
duo já havia aparecido em disco em “From Where Light Falls” (FMR, 2021) e agora
retomam a instigante parceria.
Liminal Spaces foi gravado no estúdio Saint
Augustine’s Wrangthorn, em Leeds, no dia 11 de março de 2024, e traz 11 peças,
todas nomeadas apenas por números, que se estendem de menos de 1 minuto
(“VIII”) a 14 minutos (“V”), o que ilustra bem a variedade de ideias trabalhadas
pela dupla. Trata-se de um álbum mais divagante, com uma percussão de detalhes
(a faixa “III” é um exemplar certeiro da proposta), em meio a um ou outro
momento rápido de maior intensidade discursiva (“IX” é a que mais energia irá
destilar). Vale destacar a cuidadosa masterização de Chris Sharkey, muito
bem-sucedida em deixar cada detalhe sensivelmente audível e equilibrado. Um
cativante álbum, editado em CD e digital.
The Sound of Raspberry
Martín Escalante & Tatsuya Yoshida
Wash and Wear Records
Este é um explosivo encontro que une o veterano e celebrado baterista
japonês
Tatsuya Yoshida (do lendário Ruins) ao saxofonista
Martín Escalante, natural de Los
Angeles, mas que passou grande parte da vida no México. Eles uniram forças em
dezembro de 2023, no bar Aja, em Tóquio. E o resultado demolidor chega agora
aos sem dúvida muitos ouvintes que não estavam presentes e que devem se
empolgar com os sons destilados por eles. Energy music, ruidosidade, elementos
jazzcore, este é um furioso encontro marcado por faixas de fogo concentrado (as
peças vão de 1 a 3 minutos apenas), em cerca de meia hora de música. Nas 14
peças improvisadas, sax e percussão disparam rajadas explosivas, intermeadas
aqui e ali com voz (“Benign Tenticulations”) e algum distúrbio eletrônico (como
na peça que fecha o encontro). Publicado em LP (edição limitada de 500 cópias)
e digital.
The Healing
Rodrigo Amado & Chris Corsano
European Echoes
Cerca de uma década atrás, o saxofonista português
Rodrigo
Amado e o baterista estadunidense
Chris Corsano se reuniram para criar em duo.
O intenso álbum “No Place To Fall” trazia um encontro deles, captado no
Namouche Studios, em Lisboa, em julho de 2014. Difícil quem ouviu aquele disco
não ter ficado nos últimos anos à espera de mais material dessa azeitada e
enérgica parceria. Finalmente agora temos um pouco mais desse requintado prato.
The Healing resgata um outro encontro deles, desta vez ao vivo. Essa música
realmente foi resgatada, dos arquivos de Amado, tendo o registro acontecido no
clube ZDB, em Lisboa, no dia 22 de setembro de 2016. Um diálogo seco e direto,
apenas sax tenor e bateria. Esta gravação foi a primeira apresentação de uma turnê
europeia que a dupla realizou naquele ano.
The Healing traz quatro faixas, em
cerca de 50 minutos de uma música muito atual, que poderia ter sido executada
na semana passada, e que busca, com seu título, dialogar também com os tempos de hoje. “
Está ligado ao estado absurdo a que a humanidade chegou. Algo
necessita urgentemente de ser curado. Não me refiro apenas ao que acontece
atualmente em Gaza, que nos deixa a todos, seres humanos, numa situação de
falha e embaraço, mas também aos rumos que a humanidade escolheu para ditar o
nosso dia a dia”, disse o saxofonista à
Jazz.pt. “
E se o título remete para
este estado das coisas, remete também para o poder, frequentemente subestimado,
da música como agente de cura, regeneração e mudança.” O álbum começa com o
tema “The Healing Day”, com quase 24 vivíssimos minutos que bem sintetizam a
estética do duo. Uma intro de menos de um minuto nos joga sem rodeios em um tornado,
que rapidamente engolfa os ouvintes e eleva a temperatura (ficamos a imaginar
como deve ter sido ao vivo, com a música ecoando nas paredes e reverberando no
peito!). Entre ondulações de intensidade, quase pausas e picos enérgicos, uma
peça de impacto invulgar. “The Cry”, na sequência, vai rapidamente nos remeter
ao universo espiritualizado de Albert Ayler, não só pelo seu título, mas também
pela forma como Amado explora os agudos na primeira parte da peça. Em “Griot” é
a vez de Corsano abrir o jogo, mostrando muito de sua variada habilidade
percussiva. E a mais breve “Release Is The Mind” fecha a apresentação de forma
incandescente. “
Nessa noite, a sala do aquário da ZDB estava completamente
cheia e a atmosfera fervilhava de excitação”, segundo a Jazz.pt. Para quem não pôde
estar lá, fica agora este valioso resgate.
The Healing está sendo editado em CD
e digital pelo selo de Amado, o European Echoes, que andava meio parado, mas
que promete agora começar a trazer à luz registros inéditos do arquivo do
saxofonista – fica a expectativa para o que virá daí.
Memories, Dreams, and Reflections
John Zorn & Dave Lombardo
Tzadik
John Zorn e
Dave Lombardo têm trabalhado juntos há quase
três décadas. Baterista seminal do metal extremo, sendo o cara das baquetas de
clássicos dos anos 80 como “Reign in Blood” e “Hell Awaits” (Slayer), Lombardo
ampliou seus horizontes sonoros com o passar do tempo. No fim da década de 90,
ele tocou em algumas faixas de “Taboo & Exile”, álbum de Zorn que reúne na
peça “The Possessed” o saxofonista, Bill Laswell, Fred Frith e Lombardo, um
quarteto muito potente que infelizmente não virou um grupo fixo. Finalmente
agora Zorn e Lombardo resolveram deixar um registro em duo. Os veteranos
músicos – Zorn está com 72 anos e Lombardo, com 60 – se reuniram em 30 de março
deste ano, no Orange Studios (NJ). E, bom para os ouvintes, o resultado da
sessão já está disponível.
Memories, Dreams, and Reflections não é só explosão,
como poderia se desejar de tal encontro. Há muita energia elevada pelo caminho
sim, mas os dois artistas sabem também dialogar sem gritos, digamos assim. São 8
peças, que variam de 1 a 9 minutos, com muitas ideias variadas na mesa.
“Scimitar” e “Santeria” são energy free jazz clássico, com seus 1-2 minutos de
porrada. Já “Brethren”, em outra ponta, com seus quase cinco minutos, é mais
espaçada, começando quase melodicamente letárgica, antes de encorpar. “Hail and
Thunder” mantém vibração similar, se destacando aqui as muito robustas e
pulsantes linhas criadas por Lombardo, por sobre as quais Zorn navega sem amarras,
adentrando algumas de suas mais contagiantes soluções solísticas do álbum – o último
minuto da peça é contagiante. “Timestead” é a mais abstrata, marcada por quase
silêncios, muito climática, ocupando um papel de intermezzo, que poderia também
fazer parte de alguma trilha sonora (algo tão caro a Zorn).
Memories, Dreams,
and Reflections é um muito excitante e criativo registro, que merece ser
degustado não apenas pelo apelo de seus protagonistas, mas pela música incrivelmente
viva e excitante que oferecem. Editado em CD e digital.
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*quem assina:
Fabricio
Vieira é jornalista e fez Mestrado em Literatura e Crítica Literária.
Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda
correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como
Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e
literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns
“Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”,
de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e
Matthew Shipp (SMP Records)
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