“Meu som consiste em tudo o que ouvi e toquei ao longo dos anos”


ENTREVISTA
A lendária pianista Amina Claudine Myers, que se apresenta pela primeira vez no país, durante o Sesc Jazz, conversou com o FreeForm, FreeJazz sobre sua música e trajetória... 


Por Fabricio Vieira

Amina Claudine Myers tem estado envolvida com música por toda sua vida. Essa multifacetada e multicriativa artista, de 83 anos, vem pela primeira vez ao Brasil para apresentar sua arte em dois imperdíveis concertos. Myers começou a ter aulas de piano ainda na infância, na sua Arkansas natal. Na adolescência, entrou para coros gospel e conheceu o R&B. Seria na faculdade, onde se formou em Educação Musical, que o jazz entraria em sua vida de vez. Após formada, sua inquietude a levou à efervescente Chicago. Era 1963. Por lá, Myers, enquanto trabalhava como professora de música em escolas infantis, foi se envolvendo com a cena jazzística local. Ela estava em Chicago quando, em maio de 1965, a mítica AACM (Association for the Advancement of Creative Musicians) surgiu. E não tardou para ela, aos 23 anos, passar a fazer parte do revolucionário coletivo artístico.

Ser aceita como membro da AACM foi um dos momentos mais emocionantes da minha vida. Isso abriu um mundo de experiências para ser criativa de muitas formas, música, arte, escrita etc. Passei a fazer parte [da AACM] em seus estágios iniciais. Os integrantes [do coletivo] estavam abertos a tocar comigo e me chamavam para tocarmos juntos... nada além de amor era demonstrado. Ninguém tentava me dizer o que fazer, era liberdade total. Eu tive que aprender fazendo, bem como observando. Tudo muito emocionante e ousado para mim”, disse Myers ao FreeForm, FreeJazz. “Eu estava entre alguns dos músicos mais criativos, Muhal Richard Abrams, Kalaparusha Difda, Roscoe Mitchell, Wadada Leo Smith, Joseph Jarman etc. Eu tive que escrever minha própria música e apresentá-la, criar algo, contar uma história (desenhar quadros) tornando a música o mais visual possível sobre o que estava acontecendo no universo, suas experiências de vida...

Uma década se passou e, em 1976, Myers decidiu trocar Chicago por Nova York em busca de novos ares e inspirações. “Mudar para Nova York representou um momento perfeito... música criativa estava sendo tocada nos lofts, e eu fiz concertos de órgão, piano, voz... Fui assistente de direção no musical Ain’t Misbehavin’ e escrevi músicas para várias produções da Off-Broadway, o que continuou a me abrir para mais habilidades criativas.

É nesse período que Myers terá a oportunidade de começar a gravar seus discos. O então novo selo dedicado ao jazz mais criativo, o Leo Records, trouxe ela para seu catálogo que começava. Em junho de 1980, ela grava um álbum muito importante em sua história, Salutes Bessie Smith, registro no qual sua voz passa a assumir protagonismo. “O produtor Leo Feigan, do Leo Records, sugeriu o álbum com Bessie Smith. Eu já a conhecia, daí fui ler sobre sua história de vida e comprei um songbook com suas músicas. Estudei cada música e escolhi as que mais gostei para a gravação. Sua música pode ser tocada como blues, gospel, clássico ou jazz. Uma canção [dela] pode contar uma história em um verso e mudar para outra história no verso seguinte, e assim por diante. Adoro sua música e a toco na maioria dos meus shows”, conta Myers.

Pianista, organista, vocalista, compositora, improvisadora, educadora, Myers tem uma discografia com uma dúzia de títulos, afora inúmeras parcerias registradas com nomes fundamentais do jazz criativo, como Lester Bowie, Frank Lowe, Muhal Richard Abrams, Henry Threadgill e Wadada Leo Smith (com quem lançou em 2024 o belíssimo duo “Central Park’s Mosaics of Reservoir, Lake, Paths and Gardens”). Seu mais recente trabalho, Solace of the Mind, lançado neste ano, é um registro solista, que a conecta com “Poems For Piano”, seu disco de estreia de 45 anos atrás. “Tocar em formato solista me dá a liberdade de expressar qualquer sentimento que eu tenha naquele momento. Nunca é a mesma coisa; às vezes, o espírito pode te trazer pensamentos enquanto você toca. É uma sensação maravilhosa. Minha forma de tocar evoluiu muito desde ‘Poems For Piano’; confio mais em mim agora.

Para os dois concertos que fará em São Paulo, como encerramento do Sesc Jazz, Amina Claudine Meyers (piano, órgão e voz) estará acompanhada de seu trio, que traz o baixista e guitarrista Jerome Harris e o experimentado baterista Reggie Nicholson. “Meu som consiste em tudo o que ouvi e toquei ao longo dos anos: música clássica, gospel, blues, R&B, creative music”, diz ela. E depois dessa longa e intensa trajetória, como definiria hoje sua filosofia musical? “Quem ouve minha música poderia descrever o que sente como sendo a filosofia da minha música... eu não saberia dizer.


*AMINA CLAUDINE MYERS Trio*

Quando: 1 e 2 de novembro

Onde: Sesc Pompeia/SP (Teatro)

Quanto: de R$ 18 (credencial) a R$ 60 (inteira)

 


----------

*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez Mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)