Muito mais do que apenas um V.U. japonês: o noise-lírico 'Les Rallizes Denudes'


Era o final de 1967 quando, na Universidade de Kyoto, o estudante de literatura Takashi Mizutani encontrou aqueles que se tornariam seus parceiros em uma das bandas de psy-noise-rock mais sedutoras de sempre: Les Rallizes Denudes. No início do ano seguinte, ocorreria a primeira gig oficial. A mistura de lassidão e melancolia, adensadas por blocos de ruídos ensurdecedores, faria a fama do grupo no underground japonês. Marco naquele início da banda foi a apresentação, em abril de 69, no concerto ‘Barricades A Go-Go’, organizado por estudantes que haviam ocupado a Universidade de Kyoto.
   
Mas logo um evento acabaria por ampliar a fama de ‘maldita’ da banda _e também acabaria por prejudicar sua trajetória. Em março de 1970, integrantes do Red Army Factio (grupo comunista japonês) seqüestraram o vôo 351 da Japan Airlines e o levaram para a Coreia do Norte. Dentre os sequestradores, estava o baixista Moriaki Wakabayashi, um dos fundadores do Les Rallizes Denudes. O episódio, que associou o nome do grupo ao incidente (gravíssimo para o período: como havia americanos no vôo, até a CIA acabou envolvida no episódio), custou a Mizutani seu nome na lista de suspeitos do governo. Como reflexo para o Les Rallizes Denudes, o crescimento das dificuldades para tocarem e se manterem em atividade.

Nesse período, Mizutani troca Kyoto por Tókio, em busca de melhores esquemas para o grupo. Mas a procura por um novo ambiente não ajudou muito. A banda, que com o tempo seria alçada ao status de mito, nunca ascendeu do underground. Quase sem entrar em estúdio, a discografia do grupo foi se estruturando apenas por meio de bootlegs _uma infinidade de shows mal gravados lançados primeiro no Japão dos 70 e depois mundo afora. Mizutani manteve o grupo tropegamente vivo, com shows e aparições esparsas nos anos 80 e, ainda mais raras, nos 90 _a ‘despedida’ ocorreu em outubro de 1996. Uma das poucas aparições dele após essa data se deu no ano seguinte, quando tocou ao lado do saxofonista americano Arthur Doyle _destaque do post anterior. Nem mesmo a crescente ‘fama’ no underground europeu fez com que a banda entrasse em estúdio, organizasse lançamentos de discos ou apresentações em festivais mundo afora.



(show de 1982, em Tókio. Em destaque: “The Last One”)

Sem discos oficiais de estúdio, os ‘hits’ dos Les Rallizes Denudes brotam de faixas repetidas exaustivamente nos shows de diferentes períodos, como “The Last One”, “Enter the Mirror” e “The Night of the Assassin”. As muralhas de distorções e microfonia, a simples linha de baixo _sempre com um tema circular repetido à exaustão_, os vocais suaves: a estética noise-lírica de um álbum como “Psychocandy”, do The Jesus & Mary Chain, está toda aqui.

As dificuldades em encontrar informações oficiais ou, ao menos, alguma entrevista do recluso Mizutani são grandes. Dentre as histórias que circulam, foi a audição de “Sister Ray”, do Velvet Underground, que deu a luz para Mizutani sobre o rumo que a banda (que deveria ser, a princípio, um grupo de perfil folk) iria seguir. Se, de fato, foi isso, o guitarrista japonês levou os caminhos primeiros do Velvet ao extremo, além de ter mantido a vitalidade de tal linhagem _o próprio Velvet adentrou os 70 em mares muito mais mansos.

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Essa gravação de um show de 1977 é considerada por muitos como uma das melhores dos Les Rallizes Denudes. Para quem ainda não foi apresentado, nada melhor do que começar por aqui. São cerca de 100 minutos do melhor que Mizutani fez, espalhados por sete longas faixas (a maioria dos nomes está originalmente em japonês. As versões em inglês vêm do Rate Your Music).




1.Enter the Mirror 11:3
2 [Night of the Assassin] 12:04
3 [Ice Fire] 16:12
4 [Memory Is Distant] 11:35
5 [Far Out Deeper Than the Night] 15:32
6 [The Night Collectors] 8:30
7 The Last One 25:24




LRD
*Mizutani - guitar, vocals, lyrics
*Nakamura Takeshi - guitar
*Hiroshi - bass
*Mimaki Toshirou - drums

Recorded 'le 12 mars 1977 a Tachikawa