LANÇAMENTOs Em destaque, novos álbuns de artistas brasileiros representantes de diversas faces da música criativa. Ouça, divulgue, compre discos...
Por Fabricio Vieira
O Aniversário da Mariá
Bandã
Seminal Records
Este álbum marca o encontro de cinco artistas brasileiras
que têm levado suas ideias e experimentos sonoros ao palco internacional. O
quinteto é formado por: Carla Boregas (synth, eletrônicos), Marina Cyrino (flauta
em sol e flautim amplificados, brinquedos, objetos), Marcela Lucatelli (voz,
piano), Juliana Perdigão (clarinetes, eletrônicos, voz) e Mariá Portugal (bateria,
voz). O encontro se deu em Berlim – onde parte delas vive atualmente –, no
espaço Sowieso, no dia 3 de maio de 2024, sendo este o concerto de estreia da
Bandã. “
Juntas, manifestam os sabores e liberdades de um mundo sonoro além das
fronteiras dos gêneros musicais”, diz o release. Mas seria fácil deixar este
disco na estante ao lado de trabalhos de free impro contemporâneo, em que as
experimentações sonoras ecoam e exprimem as diversas heranças musicais que cada
artista carrega, do jazz avant-garde ao rock, do cancioneiro popular ao noise e
à eletrônica. O Aniversário da Mariá traz nova faixas, que vão de breves peças,
a funcionar como intermezzos, em torno de 1 minuto, à mais extensa do conjunto,
“Surpresinhas”, que se desenvolve com tato e vagar por mais de 16 minutos.
Lançamento digital.
Beira
Inés Terra & Ajítenà
Brava
Um estimulante registro em duo reunindo
Inés Terra
(voz) e
Ajítenà (gangan, viola de cocho e elẹyẹ, ou pássara-cocho, instrumento
criado por ele mesmo). O registro foi feito a distância, em março de 2023, com
Inés em sua casa, em SP, e Ajítẹnà (Marco Scarassatti) na sua, em BH. Amparado
na improvisação livre, na qual ambos carregam bastante estrada, o encontro
gerou cinco peças relativamente extensas, trazendo durações de 6 a 13 minutos.
A dupla realizou sua primeira colaboração artística em novembro de 2022 e,
desde então, foram desenvolvendo uma parceria a distância – “um enviava uma
improvisação para que o outro interagisse livremente em resposta à ela. Essa
dinâmica se invertia a cada nova troca, criando um campo de escuta em fluxo e
diálogo, em que as camadas se mantinham independentes, ao mesmo tempo em que
criavam uma unidade complexa”, diz a apresentação do trabalho. O tom varia
bastante de uma peça a outra, do pulso vital do gangan (“também conhecido como
tambor falante, cuja linguagem rítmica e tonal carrega os princípios de
comunicação oral da cultura yoruba”) em “Toque”; às cordas limpas e o canto de
rastros líricos de “Pássara” (à maneira de um lied avant-garde dos dias
atuais); e chegando à sombria e climática “Casa Vazia”, destinada a inebriar os
sentidos.
Beira está sendo editado apenas em formato digital.
Thought Forms
Interchanges
PMC
Celio Barros foi um dos primeiros músicos a enveredar por
free impro/free jazz no país, isso ainda na década de 1990. Contrabaixista, que
também toca flugelhorn e guitarra, criou o selo PMC (Produção de Música
Contemporânea) em 1996, pelo qual registrou dezenas de sessões – parte delas
estão disponíveis em sua página no Bandcamp. E muita raridade de seus arquivos
tem sido, aos poucos, editada após longos anos de espera. Há pouco apareceu
finalmente o segundo registro do
Interchanges, um quarteto formado na segunda
metade dos anos 90 por Barros, Thomas Rohrer (sax soprano e barítono), Emilio
Mendonça (piano) e Rui Carvalho (bateria). Para esta sessão, que aconteceu em
novembro de 1999, no PMC Studio (São Paulo), receberam os convidados
estrangeiros Ed Sarath (flugelhorn) e David Richards (tenor). São 13 peças, que
trazem em sua liberdade criacional uma música de tom bastante intimista, etérea
até por vezes (não é difícil por vezes achar que este registro cairia bem no catálogo da
ECM). Há sim peças de vigor maior, como a faixa-título, mas o clima geral é
menos, digamos, tenso. Uma belíssima música que felizmente agora pode ser
apreciada por mais gente.
Matter Antimatter
Orè
Trytone
O quarteto
Orè foi criado pelo contrabaixista brasileiro
Pedro Ivo Ribeiro em 2022, em Amsterdã, ao lado de parceiros estrangeiros: o
saxofonista português José Soares, o guitarrista uruguaio Miguel Petruccelli e
o experimentado baterista holandês Onno Govaert. Ribeiro, natural de Juiz de
Fora (MG), foi para a Europa há mais de uma década, onde estudou e se firmou
como músico profissional. O Orè é um de seus projetos mais interessantes, no
qual explora ritmos e melodias do nordeste brasileiro em um contexto de improvisação
livre.
Matter Antimatter é o terceiro registro do quarteto e segue o intenso
Live in Portugal, que saiu no começo do ano passado trazendo uma apresentação
do grupo no destacado festival Porta Jazz, no Porto. O novo álbum apresenta 13
faixas, que se desenvolvem de forma bem interligada, variando momentos onde os
traços de música popular se mostram mais presentes (como “Ode”), circulando por
passagens de maior força enérgica e free jazzística (“Curious and Inhuman” é
explosão pura concentrada) e apresentando pelo caminho também outras que
sintetizam esses traços (“Trilemma”). Um grupo de criatividade muito particular
que merece ser conhecido por mais ouvintes.
Matter Antimatter será editado no
mês de novembro, em CD e LP, fiquem atentos.
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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez Mestrado em
Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por
alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou
também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos
anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de
liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo
Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live
in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)
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