RELATIVE PITCH: Sons do Mundo


SELOs
O Relative Pitch, que já conta com quase 15 anos de história, segue firme editando discos mensalmente, sempre aberto a sons vindos de diferentes partes do globo... 

 

Por Fabricio Vieira

Era 2011 quando os entusiastas de free jazz Kevin Reilly e Michael Panico (1965-2018) decidiram criar um novo selo dedicado ao gênero; nascia então o Relative Pitch. Apesar de estar sediado em Nova York, o Relative Pitch sempre esteve atento ao que acontecia em outras cenas, com um olhar aberto a novos nomes. E isso se reflete em seu catálogo desde seu início. Entre alguns de seus registros já em seus primeiros anos aparecem títulos como “Worship The Sun”, do demolidor duo holandês Dead Neanderthals, e “Stereo Trumpet”, encontro de trompetes entre a alemã Birgit Ulher e o argentino Leonel Kaplan. “The reason for the label was that there was this great music that people had in the can that was not being put out”, disse Reilly em entrevista ao Bandcamp. Em meio a discos de nomes consagrados, como o pianista Matthew Shipp e a guitarrista Mary Halvorson, o Relative Pitch montou um catálogo, com mais de 200 títulos, que abrange múltiplas vozes de diversos lugares, sendo um precioso mapa de um pouco do que de mais potente e inventivo acontece no universo da free music mundial. Uma característica importante do selo é ainda apostar no formato físico, editando sempre seus álbuns também em CD. Aqui trazemos uma seleção de discos das últimas levas de lançamentos do Relative Pitch, destacando registros de artistas nada óbvios, representantes de muitas cenas espalhadas pelo globo.  

 

To Hit a Pressure Point

Lao Dan

Um exemplar vindo da China. O saxofonista Lao Dan começou a mostrar seu trabalho no ocidente menos de uma década atrás e se sedimentou como o nome mais representativo de seu país no universo da free music. Gravado em agosto de 2024, em um estúdio na cidade de Hangzhou, To Hit a Pressure Point traz Lao Dan em registro solista. Focado no sax tenor, ele também mostra sua voz na muito particular suona em uma peça (“Perpetual Motion Machine”). O músico, hábil free improviser, sempre destaca a importância de suas raízes culturais para seu trabalho.

 


Peel/Mondo

Marta Warelis & Ada Rave

Este álbum que acaba de sair traz um encontro entre a saxofonista argentina Ada Rave e a pianista polonesa Marta Warelis. Elas se encontraram no Splendor, em Amsterdã, em 3 de junho de 2024, deixando este registro como testemunho. Rave explora os saxes tenor (onde vemos os momentos de maior robustez, como em “Instar”) e sopranino (que oferece alguns dos pontos mais vibrantes do disco, com algum ácido lirismo, como na faixa-título). Um balanceado duo que deve ser muito envolvente quando apreciado ao vivo.

 


arteria

Makoto Kawashima

O saxofonista japonês Makoto Kawashima é um assumido herdeiro de seus conterrâneos Kaoru Abe (1949-1978) e Masayoshi Urabe e, como eles, gosta de explorar o formato solista, tendo também o sax alto como principal veículo. Em arteria, Kawashima mostra sua voz em duas longas peças, de 13 e 26 minutos, captadas em julho de 2024 no estúdio GOKsound, em Tóquio. São faixas que exploram técnicas estendidas, silêncios e ataques enérgicos.  

 


Vagabondage

Ravenna Escaleira

Artista portuguesa nascida no Porto, filha de imigrantes brasileiros, Ravenna Escaleira tem ganhado crescente espaço na cena. Tendo o sax alto como instrumento primeiro, explora também outros veículos, a destacar o baixo elétrico e o piano. Em Vagabondage ela utiliza exatamente estes três instrumentos, em registros feitos em diferentes locais em Lisboa, o SMUP, o Desterro e a Casa do Comum. São quatro peças, que vão de 6 a 24 minutos, ilustrando bem as diferentes camadas que formam sua música.

 


Hyperboreal Trio

Emmeluth/ Flaten/ Filip

Um muito intenso trio de free jazz que une a saxofonista dinamarquesa Signe Emmeluth, o experimentado contrabaixista norueguês Ingebrigt Håker Flaten o baterista argentino Axel Filip. O encontro do trio aconteceu em maio de 2023, no Northern Studios, em Trondheim (Noruega) e de lá saíram as sete peças que compõem este disco de estreia. Emmeluth e Flaten já tinham trabalhado juntos em outros contextos; Filip os conheceu, separadamente, em Trondheim, onde fez mestrado em European Jazz, no NTNU Music Department. E daí veio a ideia de unirem forças neste novo projeto. 

 


Spirits Of The Dead Are Watching

Believe

Aqui temos um quarteto vindo da Austrália, que traz uma formação clássica com sax alto (Peter Farrar), piano (Novak Manojlovic), contrabaixo (Clayton Thomas) e bateria (Laurence Pike). Spirits Of The Dead Are Watching é a estreia do quarteto e representa uma instigante apresentação desses experimentados improvisadores talvez ainda pouco conhecidos no cenário global – exceção de Thomas, que vive em Berlim e já passou por bandas de gente como Barre Phillips e Brandon Evans. O álbum traz três peças, de 6 a 24 minutos, e está sendo editado em paralelo também em LP pelo selo australiano Ramble Records.

 


Cyclism

Bloomers

Bloomers é um novo trio de sopros que reúne a irlandesa Carolyn Goodwin (clarinete e clarinete baixo) às dinamarquesas Anne Efternøle (trompete) e Maria Dybbroe (clarinete e sax alto). Cyclism apresenta 15 peças, com títulos dedicados a eventos históricos importantes na luta pela liberdade e direitos das mulheres, apontando para lugares como Teerã, Moscou e Paris e datas que vêm desde o século XVIII. As gravações ocorreram em duas sessões, em julho de 2022 e janeiro de 2023. Um muito criativo e envolvente free impro camerístico.

 


Shamanism

Kim Jung-Jae

A Coreia do Sul tem representantes no free jazz desde meados da década de 1980, mas não chegou a ter uma cena tão intensa quanto a japonesa. De qualquer forma, não faltam artistas muito interessantes vindos da península. Aqui temos um grupo comandado pelo sax tenorista Kim Jung-Jae, que traz ainda Sunjae Lee (soprano e alto), Junyoung Song (bateria) e Kim Sunki (bateria). Ou seja, dois saxes e duas baterias. Se há bastante fogo no álbum, há também outros elementos: a ideia por trás do projeto é celebrar a cultura coreana de muitos tempos, com o disco se desenvolvendo como um ritual, com cada uma das 12 faixas sendo representada por um ideograma, nos conduzindo por diferentes climas e possibilidades expressivas. Gravado no estúdio Tune-up, em Seul, em agosto de 2023, é um belo exemplar do que vem ocorrendo na cena coreana.

 


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*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez Mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)