ÁLBUNS HISTÓRICOS O pianista Cecil Taylor reorganizou sua banda em 1969, trazendo Sam Rivers como segundo saxofonista, o que resultou em um dos momentos mais marcantes do free jazz...
Por Fabricio Vieira
Em 1969, Cecil Taylor havia perdido um membro constante de seu grupo nos últimos anos, quando o baixista Alan Silva se radicou na França. Para completar seu Unit, o pianista acabou fazendo uma escolha que mudaria em muito o som da banda: ao invés de encontrar outro contrabaixista, ele convocou o saxofonista Sam Rivers para o lugar. Assim, o quarteto começou a se apresentar em 1969 com uma formação de piano, bateria (Andrew Cyrille) e dois saxes (o altista Jimmy Lyons e o tenorista Sam Rivers).
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Photo: Christian Rose |
The Great Concert Of Cecil Taylor traz cerca de 1h50 de música, dividida em seis partes (uma em cada face dos 3 LPs). Chamada apenas de “Second Act of A”, a peça rola ininterruptamente pelas 5 partes iniciais, sendo dividida por causa das limitações do disco de vinil – somente a “Part 6”, o encore, é de fato separada do restante. No dia anterior à esta gravação, o grupo tocou no mesmo espaço, em uma apresentação de características similares, com a peça central sendo chamada de “Act of A.C.”, dividida em duas partes, “Was Words” e “Ethiopie” (nesta, Rivers e Lyons tocaram flauta*, em uma das raríssimas vezes em que o fiel escudeiro de Taylor deixou o sax alto de lado. Mas não há gravação disso, apenas relatos).
Rivers trazia uma coloração muito particular à banda, focado em densas linhas no tenor, e se exibindo também ao sax soprano, gestando uma dobradinha com Lyons irretocável em seus contrastes – Lyons, um free jazzista que jamais abandonou sua inspiração bop e certo lirismo. Nuits De La Fondation Maeght começa algo lentamente, ganhando maior impulso energético quando chegamos às partes 2 e 3, com os dois saxes em elevadíssima voltagem – essas partes são concluídas com um duo de piano e bateria, formato que muito Taylor exploraria no futuro. Na “Part 4”, há uma virada de tom, com Rivers no sax soprano e momentos em que Taylor, sutilmente pingando notas nos teclados, cantarola uma recitação silabar, sinalizadora de suas futuras declamações poéticas. Rivers retoma o tenor para os dois movimentos finais, sendo a Part 5 especialmente mágica, com as linhas em uníssono dos saxes criando temas de repetição inebriante, com o piano ao fundo em labirintos hipnóticos, enquanto Cyrille cria fraturadas camadas no tom perfeito para trazer densidade sem atropelar os parceiros. Que banda, que música!
O fim da década de 1960 foi marcado por um sopro de explosão no free jazz, ecoando por diversos cantos do mundo, com o Japão começando a deixar sua voz registrada, a Europa em ebulição criativa e o Art Ensemble of Chicago iniciando sua história. Cecil Taylor mostra com este grupo que continuava como um farol para a música livre e criativa.
*In: Phil Freeman, “In the Brewing Luminous: The Life & Music of Cecil Taylor”
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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez Mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)