Ignorar um quarteto excepcional: um crime (inafiançável) contra os ouvidos e a alma

Não parece que está para acontecer um dos maiores eventos jazzísticos, em um bom tempo, por essas bandas. Na próxima semana, teremos a rara e inédita oportunidade de presenciarmos, no mesmo palco, alguns dos maiores nomes da música contemporânea: Ivo Perelman, Matthew Shipp, Joe Morris e Gerald Cleaver.
Esse quarteto, recém-reunido, fará sua estreia mundial em SP: nem norte-americanos nem europeus já viram esses caras juntos. E, percorrendo sites, blogs, twitters e afins, o que parece é que nada acontece. Com solitárias exceções, como a do antenado Vagner Pitta, do Farofa Moderna, nada tem sido dito.

A recente passagem de Pharoah Sanders pelo país gerou muito alvoroço dentre os que dizem se interessar pelas alas mais radicais, experimentais e inventivas do jazz. Mas isso não surpreende: como tanto disseram por aí, Pharoah foi um dos últimos parceiros de Coltrane (então, vamos vê-lo! Simples assim, como se esse fosse seu único e grande mérito...). E esses caras? Tocaram com quem?


Esse quarteto-fantástico fará dois shows no Sesc das proximidades (Pompéia e Osasco) e mais um no interior (Bauru). E quem tem comentado? O problema deve ser de ignorância mesmo: ignora-se quem seja Matthew Shipp ou Joe Morris: simplesmente dois dos maiores criadores de sons vivos, que deveriam estar fazendo a apresentação principal de qualquer um desses ‘festivais de jazz’ que pipocam Brasil afora, estimulados apenas porquê “é fino ouvir e falar de jazz” e não devido à relevância das criações musicais brotadas nessa seara. O mais lamentável é que verba não é problema: afinal, entra ano, sai ano, Diana Krall, Madeleine Peyroux e John Pizzarelli aparecem para tocar nas redondezas _e é impossível seus cachês serem menores que os dos protagonistas dessa gig inacreditável que teremos a oportunidade de ver... Então, tudo resume-se à ignorância de muitos de nossos produtores e curadores, inconscientes do que ocorre no mundo contemporâneo da música jazzística _se estiver fora do âmbito (da lista de melhores) da Down Beat, esquece. E quando alguma iluminada mente resolve trazer o que realmente importa, poucos notam.

Não estamos aqui falando de Brotzmann e seu “Full Blast” ou de Mats e o “The Thing”, com seus pesos roqueiros que, fatalmente, espantam o público médio.
Pensemos em Matthew Shipp e a abrangência de seu trabalho.
Sempre com genialidade e gosto apurado, Shipp tem se tornado um dos nomes do jazz mais abertos a novas sonoridades: gravou com os rappers do Antipop Consortium, os campos eletrônicos do DJ Spooky e o psy-guitar de J.Spaceman (sim, Jason Pierce, do Spacemen 3). Além disso, há o seu ‘Nu Bop’, trabalho altamente moderno e sedutor. Neste ano, Shipp ainda tem conduzido uma turnê em piano solo. Quero dizer: um cara como ele poderia já ter desembarcado por aqui em diferentes contextos, protagonizando festivais diversos. E quando chega a hora de o vermos, parece que apenas mais um pianista está para tocar em mais um show semanal do Sesc...


Sobre o Ivo Perelman, já falei mais extensamente por aqui (o post de abertura desse espaço foi dedicado à obra dele). Como que o mais importante nome do sax, do jazz, do free jazz, da improvised music já nascido no país NUNCA foi convidado para tocar em um desses ‘festivais’? Ia espantar o público com sua "ruidosidade"? Não valeria à pena correr um risco desses?
Mas Arte é risco! Música é risco! Jazz é risco! Se assim não fosse, o esforço criacional não faria sentido. Quem quer o mesmo, que pague R$ 120 para ver o Irvin Mayfield tocar sua ‘homaggio’ a Basie e Duke: não tenho dúvidas de que irá esgotar. Afinal, se custa tanto não pode ser ruim...

Para quem estava desatento a tal quarteto, ainda sobram ingressos para as apresentações de quinta (9) e sábado (11), por apenas R$ 12 e R$ 16 (meia, a R$ 6 e R$ 8). Nossos produtores deveriam ir também, sentir um pouco do que está acontecendo no jazz atual e, quem sabe, descobrirem que existem figuras como William Parker, Ken Vandermark, Susie Ibarra, Assif Tsahar, Evan Parker, Anthony Braxton, David S. Ware, Hamid Drake, Joe McPhee, Marilyn Crispell, Mats Gustafsson, Rodrigo Amado e outros tantos que fazem a música permanecer viva e jamais pisaram por essas terras.