Som nos arredores (lançamentos nacionais)





Destaques de álbuns nacionais editados nos últimos tempos.
Experiências em várias formas. 
Ouça, divulgue, compre os discos.

 






Rádio Diáspora ****(*)
Rádio Diáspora
Sê-lo!
 
Rádio Diáspora é um projeto desenvolvido por Romulo Alexis (trompete) e Wagner Ramos (bateria). Nascido de uma proposta de se debruçar sobre o grande reservatório cultural e sonoro produzido na diáspora africana, parte de uma base free jazzística e de improvisação livre para criar uma experiência sonora de amplo alcance. A trompete e bateria, os músicos adicionam possibilidades outras a partir de elementos eletrônicos, voz, sopros, criando uma música muito particular e desconcertantemente envolvente. São 8 faixas, que vão de explorações climáticas e soturnas, como “Besouro”, passando pelo ácido-lírico de “Negra Poesia” e o percussivo-ritualístico de “Noir”. Destacam-se também “Chá Preto”, com sua interferência pontual de vozes, e “Breu”, exemplar mais devedor da energy music. A variedade de explorações sonoras e de linguagens se apresenta de forma muito coesa. O álbum tem uma unidade criacional muito clara, é uma peça acabada e bem construída e poderia ser executada ao vivo como tal – não sei se no palco o duo tem tocado o disco como aqui registrado ou explorado mais os temas como veículo improvisativo. Rádio Diáspora é um trabalho com vocação universal, que merece ser descoberto e degustado em qualquer canto onde se aprecie a música livre. Esperamos que a recente passagem de Romulo e Wagner por Portugal ajude a abrir portas para a vibrante música que têm criado.






Fórceps **** 
Cadu Tenório e Thomas Rohrer
QTV
Fórceps registra o encontro entre Cadu Tenório e Thomas Rohrer, dois nomes destacados nas cenas experimentais (em diversas roupagens) do Rio e de São Paulo. Em pouco mais de 30 minutos, divididos em oito partes, o duo investiga possibilidades múltiplas de (quase) silêncios e ataques, num percurso improvisativo por vezes inebriante. Rohrer (rabequista e saxofonista suíço radicado no Brasil há duas décadas) leva sua ampla vivência na improvisação livre (é uma das vozes do seminal Abaetetuba) para dialogar de forma precisa com as ruidagens e explorações eletrônicas de Tenório (do Sobre a Máquina e VICTIM!). O núcleo do trabalho talvez seja a faixa “2”, com seus 17 minutos proporcionando maior vagar para os músicos desenvolverem suas ideias. Por outro lado, alguns dos mais curtos temas permitem que mostrem a intensidade concentrada, toda a energia despendida em (alguns casos) poucos segundos – exemplo disso é a faixa “3”, em que sons rascantes, com a rabeca raivosa, se estendem por apenas 33 segundos. Gravações de campo também surgem nesse processo, ampliando as perspectivas do encontro acústico-eletrônico proposto – podemos ouvir uma voz-canto no tema “8”. De momentos mais contemplativos da faixa “2” aos elementos harsh noise da “5”, Fórceps é um trabalho bastante integrado, cheio de nuances e surpresas, feito para ser ouvido sem interrupções.






Isso **** 
Projeto B
Panela/Tratore
Em seu quarto álbum, o quinteto paulistano Projeto B oferece um pouco mais de sua combinação de elementos jazzísticos, instrumental brasileiro e algo de erudito contemporâneo, em 10 faixas bem executadas, gravadas em maio de 2014. Em meio a composições próprias, há espaço para releituras de temas de Debussy (“Des Pas Sur la Neige”) e Gyorgy Ligeti (“Música Ricercata n7”), arranjadas para os instrumentos do grupo: saxes alto e tenor (Leonardo Corrêa), guitarra (Yvo Ursini), trompete (Amilcar Rodrigues), baixo (Henrique Alves) e bateria (Mauricio Caetano). O instrumental do quinteto recebe o apoio da voz de Arnaldo Antunes em “339” – mas não está aí o melhor do álbum. Isso fica por conta de faixas como “Olhos Fechados”, cuja sonoridade remete aos tempos do free bop de Miles, e “Labirinto”, a mais quente do conjunto, especialmente nos solos de sax e guitarra.  “Improviso” é outro tema maior, com momentos de intensa improvisação coletiva. Vale citar ainda a sensacional “Zavod”, versão de peça (“Iron Foundry”) de Mosolov, feita por Ursini, com o martelante tema ecoando nos ouvidos por muito tempo...





Quinta do Lobo ***(*) 
André de Castro / Leandro de Los Santos
Kowa Records
Esse duo vindo do Rio Grande do Sul traz o saxofonista André de Castro ao lado do guitarrista/baixista Leandro de Los Santos explorando 11 temas próprios. Além dos instrumentos-base, os dois músicos adicionam uma série de instrumentos inusuais, muitos criados por eles mesmos. No encarte, encontramos citados ao lado de sax, teclados e guitarra nomes estranhos como “monstrofone” (uma mangueira de jardim com boquilha de sax) e “xaphoon” (um tubo de PVC com afinação de flauta e boquilha de sax), além de flautas bansuri e shakuhachi (também de PVC). Há ainda cano de alumínio, correntes, ancinho, dentre outros. Esse arsenal de possibilidades sonoras é explorado com parcimônia, com atenção às particularidades de cada instrumento, ora se atendo a um ora a outro. No free impro praticado pelo duo, Castro cita influências de Brotzmann a Kaoru Abe (esta mais explícita na faixa “A preparação da vestal”, com seus silêncios e pausas cortados por abruptos ataques), passando pelo rock avant garde e o noise/ambient (como em “Ode... Saturno”). O resultado é bastante interessante e variado e deve ser melhor apreciado no palco, onde se pode acompanhar os músicos em suas explorações instrumentais múltiplas.


 


Nau **** 
Vinicius Mendes
Independente

Nau é o álbum de estreia desse projeto do saxofonista Vinicius Mendes, de Belo Horizonte. Com um quarteto que ainda traz piano (Cliff Korman), baixo (Pedro Trigo Santana) e bateria (Gabriel Bruce), Mendes explora cinco temas próprios, que podem ser divididos em dois blocos. No primeiro, estão “O Desprezo”, “Panaceia do Homem Urbano” e “Folia do Cão”, composições do saxofonista (tenor e soprano) que trazem desenvolvimento e elementos jazzísticos mais explícitos. E o segundo bloco, com “Improviso I” e “Improviso II” que, como o nome sugere, são improvisações livres coletivas. No sax tenor, Mendes apresenta talvez o melhor do conjunto em “Improviso II”; com seus pouco mais de dez minutos, a faixa se desenvolve em crescendo, começando quase sussurrante e ganhando intensidade com o desenrolar do solo de sax, cada vez mais intenso até atingir seu ápice lá pelos seis, sete minutos. O quarteto se apresenta muito ajustado e não seria nada mau podermos vê-los tocando hora dessas aqui em SP.







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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado na área literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Atualmente escreve sobre literatura e jazz para o Valor Econômico. Também colabora com o site português Jazz.pt.
É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), e “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records)